DIA DO PROFESSOR | Educador: o herói de mil faces na pandemia

"Mas aqueles que fazem as lendas raramente se contentam em considerar os grandes heróis do mundo como meros seres humanos que romperam os horizontes que limitavam seus semelhantes, e retornaram com bênçãos que homens com igual fé e coragem poderiam ter encontrado.", O Herói de Mil Faces, Joseph Campbell, página 309.

A definição de herói foi revista à luz da pandemia. Na minha concepção, os professores se tornaram grandes protagonistas desta empreitada humana de superar as limitações impostas pela Covid-19. Ao lado dos trabalhadores da saúde, os educadores lideraram uma jornada em prol da coletividade; à sua maneira, se rebelaram contra a impossibilidade de educar e quebraram os limites do físico para continuar, remotamente, uma missão tão grande quanto a própria vida: educar as novas gerações. Da maneira do herói mitológico, extrapolaram os limites do que acreditamos ser possível; ao mesmo tempo, criaram uma nova maneira de resistência às adversidades. Se antes – como Joseph Campbell descreve em O Herói de Mil Faces – a nossa visão sobre o herói humano os dotava de “poderes extraordinários desde o momento em que nasceu ou em que foi concebido”, vemos, atualmente, o extraordinário sendo forjado no cotidiano adverso. Uma construção admirável!

Em sua jornada, o professor transformou os espaços domésticos – os seus e os dos alunos – em salas de aula. Nesse processo, aprendeu a dominar a tecnologia e a transformar as adversidades em formas de ensinar aos alunos o real significado da superação. No dia a dia, esteve mais próximo de pais e responsáveis; à semelhança dos heróis, sentiu o desânimo e a exaustão baterem forte, mas a autodeterminação em continuar deu esperança aos demais. Quem não se emocionou com a professora Agnes Dissmann que percorria até 60 quilômetros para levar lições impressas aos alunos da região de Serra da Graciosa, no Paraná? Ou com o professor Arthur Cabral que, quando soube que um grupo de alunos estava excluído das aulas virtuais por falta de internet, subiu na bicicleta e foi levar lições até a casa deles, em uma comunidade na periferia do Recife? Ao longo da pandemia, que ainda permanece, essas histórias pouco triviais nos mostraram algo que havíamos esquecido: os educadores são, de fato, verdadeiros heróis modernos.

Eles são especialistas em vencer as muitas adversidades para além da pandemia. No Brasil, a falta de valorização desse profissional é histórica; muitos deles, inclusive, vivem em condições de vulnerabilidade social e econômica. É urgente que o país passe a cuidar de quem ensina. A pesquisa A situação dos professores no Brasil durante a pandemia aponta o nível do comprometimento da saúde mental do docente: a ansiedade afetou 68% dos professores; 63% relataram estresse e dor de cabeça; e 39% têm insônia. A volta às aulas presenciais se mostra um excelente momento para debatermos como vamos, como sociedade, responder adequadamente à tamanha dedicação. De invisíveis, a pandemia tornou o professor peça-central da resistência e da esperança do retorno à normalidade. Mas, não é normal seguirmos da forma anterior no que se refere aos educadores.

O retorno às aulas presenciais se mostra um momento de redescoberta da afetividade entre docentes e alunos. Se nos últimos meses a relação do professor era com as imagens que substituíram as câmeras fechadas, agora o olho no olho volta ao centro do processo de ensino e aprendizagem; o (re)conhecer o aluno ganha um novo propósito – a voz, as expressões, o jogo corporal se ressignificam e contribuem para a superação de um tempo obscuro, inesperado e cheio de desafios. Espero que essa conexão também seja reforçada entre pais e professores pela via do afeto. Que eles se tornem aliados nesta luta que o professor tem empreendido por reconhecimento. Os educadores, pela dedicação à sociedade, são muito mais do que atores sociais ou profissionais. São protagonistas de uma revolução que precisamos implementar na forma de aprender e de ensinar. Essa é uma peça-chave para que o país siga em direção a outro patamar de civilização. 

Por último, para adicionar a essa reflexão – que espero inspirar com este artigo –, gostaria de agradecer como cidadão e como um profissional que vivencia diariamente a educação. Que esse retorno às aulas e essa nova trajetória que se inicia sejam pautados pelo respeito, pela afetividade e por novas formas de conexão respeitosas. Professor, obrigado por nos ensinar tanto nessa jornada.

| Claudio Sassaki é mestre em Educação pela Stanford University; graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e co-fundador da Geekie, empresa referência em educação com apoio de tecnologia no Brasil e no mundo.

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