Subsídio para o gás de cozinha, de R$ 50,00 por mês, a 15 milhões inscritos no Bolsa-Família representa uma despesa nova equivalente a R$ 9 bilhões anuais
Artigo publicado na revista VEJA
Envira fica às margens do rio Juruá, na fronteira do Amazonas com o Acre, a pouco mais de 1.200 quilômetros de Manaus. Ao redor dos igarapés vivem 16 mil pessoas, dois terços com renda inferior a meio salário mínimo. Uma das riquezas do lugarejo está num depósito: 1.000 botijões de gás. Ali, o preço do gás de cozinha ultrapassou R$ 130,00. Ou seja, um cada botijão de gás (13 kg) custa o equivalente à 25% da renda média mensal de quem tem alguma ocupação — e só 800 pessoas têm esse privilégio na economia de Envira. Por sorte, na selva ainda ainda tem madeira para lenha.
Ontem, a Câmara aprovou um “Auxílio-Gás” de R$ 50,00 mensais para famílias pobres, como quase todas de Envira, que já estão inscritas no cadastro social do governo federal. A iniciativa foi do Partido dos Trabalhadores e, agora, será analisada pelo Senado.
É um socorro estatal justificável na emergência do empobrecimento nacional, mas é, também, a marca de um regresso socioeconômico:
O Vale-Gás existia 21 anos atrás no cardápio de programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso, e acabou incorporado ao Bolsa-Família no governo Lula.
Sua restauração representa, na prática, um aumento (de R$ 50,00) no valor do atual Bolsa-Família. A aprovação quase unânime, ontem, mostrou que a Câmara decidiu atropelar o governo Jair Bolsonaro, ainda perdido na procura de fontes de financiamento para transformar o velho Bolsa-Família em um novo Auxílio Brasil.
Os deputados repetiram a fórmula política inaugurada no ano passado: no início da pandemia, enquanto o governo se entretinha com cloroquina, eles aprovaram um auxílio-emergencial de R$ 300,00 por mês.
Para Bolsonaro, que era contra, acabou tendo o efeito de um bálsamo político. O dinheiro foi recebido como uma espécie de dádiva governamental e ajudou a inflar a popularidade do presidente-candidato. Mas acabou em dezembro abruptamente.
Bolsonaro foi de R$ 300 ao zero absoluto na ajuda aos pobres em plena pandemia. O governo levou quatro meses para perceber o erro e, desde então, o presidente-candidato viu minguar suas chances de reeleição nas pesquisas eleitorais.
Agora, em campanha pela reeleição, os deputados já não conseguem explicar aos eleitores porque se paga R$ 130 por um botijão de gás em lugarejos como Envira, no interior do Amazonas. Por isso, embarcaram numa viagem de regrasso ao Vale-Gás do início do milênio.
Feitas as contas, a Câmara aumentou o “Custo Bolsonaro”. Propôs subsídio de R$ 50,00 por mês a 15 milhões de chefes de família inscritos na bolsa social do governo. É despesa nova equivalente a R$ 9 bilhões anuais.
Pela engenharia financeira do projeto do PT, tira-se dinheiro do fundo social, destinado a combater a pobreza, e carimba-se com a marca do Vale-Gás — o mesmo que já havia sido incorporado ao Bolsa-Família no ciclo petista iniciado com Lula, em 2002.
De dinheiro novo, até ontem, Bolsonaro havia conseguido somente R$ 300 milhões numa doação emergencial da Petrobras, cuja transparência na composição de preços para derivados de petróleo passou a ser abertamente questionada na Câmara. Já há coleta de assinaturas para uma CPI.
Mesmo que o Senado aprove e o governo apoie o regresso ao Vale-Gás, o problema continuará na mesa: a política econômica e os preços dos combustíveis no país do pré-sal, agora exportador de petróleo, onde o valor do dólar já beira os R$ 5,50.